Saturnismo |
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O Saturnismo consiste no envenenamento pelo chumbo, que no caso dos patos, galeirões e galinhas-d’água ocorre quando as aves ingerem esferas de chumbo, provenientes dos tiros dos caçadores. Estas aves ingerem areia e pequenas pedras para facilitar a digestão mecânica dos alimentos na moela, ingerindo conjuntamente as esferas de chumbo que existam no meio. Nas zonas húmidas geralmente abundam lodo e vaza, sendo que a areia disponível poderá ser escassa para as necessidades das aves que aí habitam. Por essa razão, a probabilidade de ingestão de esferas de chumbo, por parte das aves aquáticas, é maior do que nas aves terrestres. As esferas de chumbo ingeridas são desgastadas na moela pela fricção com outras substâncias inertes aí existentes (areia e pequenas pedras) e o chumbo acaba por ser dissolvido pelos ácidos digestivos, entrando para o sangue das aves. Acumula-se então em vários órgãos (ossos, cérebro, fígado, …) e debilita as aves, podendo causar mesmo a morte por envenenamento. Em casos extremos, a ingestão de uma única esfera de chumbo por uma ave pode causar a morte desta a curto prazo. Trabalhos realizados em Portugal indicam que mais de 10% dos patos-reais no Outono/Inverno têm chumbos na moela e já foram detetados até 99 chumbos numa moela.
No seguimento do que já foi publicado em revistas de caça e em publicações científicas, do que foi apresentado em congressos nacionais e internacionais, assim como dos resultados obtidos pelo projeto “Saturnismo em populações portuguesas de Anatídeos e Ralídeos. Impacto nas suas taxas de sobrevivência e acumulação de Chumbo nas rapinas suas predadoras” (Fundação para a Ciência e Tecnologia - POCTI/PNAT/AGR/15032/1999), no dia 25 de Junho de 2005 ocorreu uma conferência, sobre o tema. Nesta foram apresentados os dados existentes para Portugal – ver resultados – assim como foi apresentada a situação internacional e o exemplo de sucesso Dinamarquês. Na conferência foi divulgado que Portugal ao aderir ao acordo AEWA comprometeu-se a resolver a questão do saturnismo em zonas húmidas o mais cedo possível. Também foi divulgado o acordo FACE / Birdlife, em que ambas as partes se comprometem a resolver o problema do saturnismo nas zonas húmidas o mais cedo possível, e o mais tardar até 2009. Num contexto em que Espanha já proibiu o uso de Chumbo na caça às aves aquáticas e em França essa proibição entrou em vigor em 2005/2006, com tolerância de um ano, a conferência pretendeu também chegar a uma data consensual para que ocorresse o mesmo em Portugal. Este objetivo não foi alcançado, ficando no entanto acordada uma futura reunião entre os Serviços de Caça da DGRF, a Confederação Nacional dos Caçadores Portugueses (CNCP), a SPEA e a ESAC-IPC, no sentido de definir até ao fim do ano de 2005 um programa realista e consensual sobre a eliminação do uso de chumbo nos cartuchos para caça em zonas húmidas. Depois de várias reuniões, o grupo de trabalho, no qual também foram integradas a FENCAÇA e a ANPC, acordou numa solução em Dezembro de 2006. Essa solução consistia na proibição do uso de Chumbo ou outros materiais tóxicos na caça às aves aquáticas e consistia em 2 fases: 1ª - 2007/2008 - proibição do uso de materiais tóxicos em todo o tipo de caça em zonas húmidas Nacionais abrangidas pela convenção RAMSAR (Sapal de Castro Marim, Ria Formosa, Ria de Alvor, Lagoas de Santo André e da Sancha, Estuário do Sado, Lagoa de Albufeira, Estuário do Tejo, Paul do Boquilobo, Paul da Madriz, Paul de Arzila, Estuário do Mondego e Lagoas de Bertiandos e de S. Pedro de Arcos); 2ª - 2008/2009 - em adição à fase anterior, proibição do uso de materiais tóxicos em toda a caça aos patos, galeirões, galinhas-d'água e narcejas, independentemente do local de caça. A justificação para esta solução mista resulta de não ser viável, na prática, interditar o uso de chumbo em todas as zonas húmidas, pela simples razão que qualquer definição de zona húmida que viesse a ser estabelecida esbarrava, na prática, em muitas situações duvidosas – por exemplo, certas zonas só estão inundadas em períodos em que ocorra muita precipitação, mas são zonas húmidas... Também é inviável, na prática, mapear todas as zonas húmidas, pelo que também não é solução. Assim optou-se por interditar o uso de chumbo nas zonas mais importantes para as aves aquáticas cinegéticas, sendo que as restantes serão protegidas, em grande parte, pela interdição do uso de chumbo na caça às espécies já referidas – é uma solução semelhante à adotada em Inglaterra.
Quem estiver interessado em saber mais sobre o tema pode consultar os links abaixo referidos. De salientar ainda que o Saturnismo não é exclusivo das aves aquáticas, e que especialmente os necrófagos ou os predadores parcialmente necrófagos, como algumas aves de rapina, podem sofrer de Saturnismo. Neste caso deve-se à ingestão de presas com chumbos no corpo, também resultantes dos tiros dos caçadores, sofrendo esses chumbos a ação dos ácidos gástricos das rapinas, dissolvendo-se e entrado para a circulação sanguínea. O Javali também é parcialmente necrófago, pelo que não se recomenda para alimentação humana o fígado e rins. O mesmo se aplica à moela, ao fígado e rins dos patos, galeirões, galinhas-d'água e narcejas. Os caçadores ao não utilizarem o chumbo na caça também estão a contribuir para a melhoria da sua saúde!
A interdição acordada nunca foi implementada... No entanto é de salientar, pela positiva, que várias zonas de caça (turísticas, associativas e municipais) anteciparam a proibição e adotaram-na voluntariamente, pois é um fator de fomento das espécies cinegéticas. Com a publicação da Portaria n.º 288/2010 de 27 de maio, apareceu uma primeira interdição na época de caça 2010/2011! No entanto, as "forças de estagnação" do setor cinegético fizeram regredir o definido na portaria e saiu nova portaria com novo Calendário Venatório, pouco depois, que reduzia a área da interdição - dado ser um dos "pontos negros" da história da Cinegética em Portugal, não o vou desenvolver... Apenas refiro que a interdição na prática não funcionou pois não havia penalização para os infratores!... Com a publicação do Decreto-Lei n.º 167/2015, de 21 de agosto, o problema do Saturnismo nas aves aquáticas começa finalmente a ser resolvido. O artigo 79º, no ponto 3, na alínea d), passa a referir "Cartuchos carregados com múltiplos projéteis de chumbo, nas zonas húmidas identificadas na portaria a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º", i.e. nas zonas húmidas definidas pela Portaria do Calendário Venatório, passa a ser crime o uso ou a detenção de cartuchos de chumbo, com coima de 300 a 2500€... Refiro que é o começo da resolução pois a situação atual só irá resolver o saturnismo na Ria de Aveiro. Nas restantes zonas húmidas que constam do Calendário Venatório é para Inglês ver pois não se caça nelas e/ou os patos comem essencialmente fora dessas áreas…
Convém alertar os caçadores para alguns detalhes: - a utilização de cartuchos carregados com materiais alternativos ao Chumbo exigem adaptações a alguns caçadores: a) se utilizarem materiais mais leves como as ligas de aço, há que adaptar as distâncias de tiro, que passam a ser mais curtas do que as do chumbo. Para os caçadores que só atiram pela certa a diferença é pequena. Os "especialistas da antiaérea" têm de mudar a forma de caçar ou então terão de passar a utilizar ligas mais densas como o "heavy-shot" que têm o defeito de serem muito mais caras. Em ambas as situações é fundamental os caçadores adaptarem-se às novas munições e distâncias de tiro, treinando bastante o tiro antes de iniciarem o período venatório - existem campos de treino e clubes de tiro que podem servir para o efeito; b) nas armas recentes (últimos 20 anos) não há problemas das ligas alternativas ao Chumbo apenas há a referir que quando se utilizam materiais duros não deverão ser utilizados chokes apertados - mais informações em Português. Para armas mais antigas os caçadores terão de verificar quais as pressões que as armas suportam e poderão ficar restringidos à utilização de ligas macias como as de Estanho, Bismuto e Tungsténio, que são mais caras.
Espero que a interdição do Chumbo seja alargada a todas as zonas húmidas das áreas classificadas e a toda a caça às aves aquáticas e narcejas, pois é uma medida fundamental para o fomento destas aves. Assim, todo o caçador apenas deve utilizar materiais não tóxicos na caça às aves aquáticas e narcejas!
Taxas de Envenamento por Chumbo (%), em Pato-real (Anas platyrhynchos), na Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto (Aveiro) e na Lagoa dos Patos (Ferreira do Alentejo).
Taxas de Envenenamento por Chumbo (%), em Marrequinha (Anas crecca), na Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto (Aveiro).
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Links sobre o tema do Saturnismo: http://www.unep-aewa.org/en/publication/phasing-out-use-lead-shot-hunting-wetlands-experiences-made-and-lessons-learned-aewa - ver também a informação técnica disponível em http://www.unep-aewa.org/en/publication/non-toxic-shot-path-towards-sustainable-use-waterbird-resource e em http://www.unep-aewa.org/en/publication/update-report-use-non-toxic-shot-hunting-wetlands. http://www.wetlands.org/Portals/0/publications/Report/WI_LeadPoisonWBirdsEN_2000.pdf
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Trabalhos nacionais que abordaram o problema do
Saturnismo
Rodrigues, D.J.C. 1991. Estudo Biométrico e Alimentar de uma população de
Pato-real (Anas platyrhynchos L.) dos arrozais do Baixo Mondego. Trabalho de
Fim de Curso de Engenharia Florestal. Instituto Superior de Agronomia,
Universidade Técnica de Lisboa. 25 pp.
Rodrigues, D., Figueiredo, M. & Fabião, A. 2007. Chumbo – chumbado na caça às Aquáticas. Calibre12 184: 18-22.
Rodrigues, D. 2010. Caça sem chumbo. Situação actual em Portugal e na Europa. Turcaça 22: 20-23
Rodrigues, D., Figueiredo, M., Oliveira, D., Fabião, A., Vaz, M.C., Sarmento, G., França, J. & Bacelar, J. 2005. Lead Poisoning in Portuguese Waterfowl. 27th Congress of the International Union of Game Biologists – IUGB. Agosto, Hanover - Alemanha.
Atualizado em 10-09-2015 |
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